quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Veículos Previamente Texturizados

Quase todas as pessoas podem identificar texturas em uma pintura, desenho ou escultura. Embora exija um nível de conhecimento acima de iniciante, é possível identificar textura mesmo quando insuspeita, ou onde, aparentemente para o leigo, ela não foi pretendida como alternativa de expressão. Por exemplo, quando um desenhista força muito um lápis sobre papel ou cartão, comparativamente à pressão que exerceu nos demais traços, ele produz textura, negativa, mas ainda assim expressiva.

Em qualquer situação na qual se apliquem volumes de tinta maiores do que se vêem nas áreas mais delicadas, ou seja, volume não homogênio, haverá textura positiva. quando em uma pintura há uma única área ou elemento vermelhão, em meio a tons neutros ou de médio cromatismo, haverá textura, não volumétrica mas sim cromática. A maioria dos materiais alternativos, que não tintas, incorporados à pintura também produzirão textura. A emotividade do pintor ou o uso de acessórios para aplicação (esponjas por exemplo) produzem textura. Se em uma escultura em madeira, o artista agrega material de acabamento em uma parte e deixa outras na fibra natural, a distinção deverá ficar visível.

Emfim, é importante compreender as texturas como parte da expressão, porém independentemente da cor. Elas provocam ilusão de tridimensionalidade, quer para cima (positiva) quer como baixo relevo (negativa). As texturas alteram ou condicionam a reflexão da luz na superfície do veículo. Produzem um tipo de agressividade subjetiva, que "toca" nossas estruturas psicoemocionais de julgamento, voluntariamente ou não.

Elas são um atributo técnico da pintura, do desenho e da escultura, tão forte, que seu uso pode ser muito exigente quando  apenas é aplicado localizadamente. Talvez por essa razão, uma solução simplista mas não simplória (ingênua) seja texturizar todo o veículo previamente, e somente depois começar a pintura propriamente dita. Trataremos aqui desta opção, depois de sugerido um entendimento genérico das texturas, e seu efeito.

Antes consideremos alternativas de veículo, pois que apresentam propriedades mecânicas e químicas peculiares. Podem ser, além das telas de tecido convencionais (canvas, linen, veludo, etc), madeira, placa compensado ou aglomerado, placa de celulose, placa flexível sintética (vulcanizada, polimérica, vinilizada), ou ainda placas e folhas metálicas (alumínio, flandres, broze, cobre, aço, ufa...), são muitas as possibilidades e todas com características próprias.

Nos desenhos os papéis e cartões têm geralmente a textura da própria fibra, não acetinada, por isso são chamados papel de desenho, distintos pela marca ou pelo material característico (Canson, Ingres Fabriano, Kraft, papel bananeira, folha de ouro, papel manteiga, etc) e ainda distintos pela sua gramatura (gr/cm2). O desenho em geral não inibe o efeito visual da textura do veículo, como pode acontecer nas técnicas de pintura.

Na pintura a aquarela a textura é preservada e se constitui da maior importância, devido a uma exigência fundamental de um outro fundamento que qualifica esta linguagem milenar. O atributo da transparência torna esta técnica tão simples, algo de extrema dificuldade, e estabelece grau de mestria. Isso porque a transparência é a ilusão de ótica produzida quando a luz do fundo, ou do veículo (normalmente branca) perpassa a camada de tinta. Em geral o aquarelista prefere abortar a corrigir erros sobrepondo sucessivas  camadas de tinta, justamente porque acabam por inviabilizar a transparência dos tons, devido à opacidade. A textura potencializa a transparênncia.

Na pintura a bastão pastel, seco ou oleoso, as texturas têm igual importância. Agora a mestria estará em deixar mais pigmentos encrustrados na microtextura do veículo (cromatismo) sem, entretanto, "matar" ou saturar o efeito da textura, muito comum no pastel oleoso, pouco miscível, donde a expressão "empastelar" correspondente ao nome da técnica.

Afinal, chegamos ao "mignon". Acrílica e tinta a óleo sobre textura. Tecnicamente, a diversidade de materiais é imensa, mas haverá mestria no domínio de uma relação intrínseca. As texturas, sedutoras e complexas que são, têm influência exógena, ou seja, seu efeito depende diretamente da distância focal do observador. Texturas grossas ou agressivas exigem ambientes espaçosos. Mas elas também determinam, para dentro da obra artística, o nível de datalhamento da imagem. Isso porque o detalhamento, principalmente o realístico, pode exigir texturas finas ou delicadas, para que seja viável defini-lo.

A texturização pode ser feita, no caso de veículos rijos, por redução da reflexão da superfície, através de raspagem, lixamento, goivamento (entalhe) e riscamento. Mas é nos veículos maleáveis (tecidos e lonas) que estão a preferência e a maior complexidade. A texturização, à revelia da sua beleza, deve atender à exigência de permanência, não soltar, escamar, fissurar ou quebrar.

Como exemplos de materiais que podemos agregar ao tecido das telas (será mais complicado esticar no chassis depois da textura agregada) incluimos aqui como exemplos: os papéis amassados e depois desamassados, as malhas de fibra natural como juta, algodão e sisal, as massas resinadas (massa corrida), as massas plásticas, estas alteradas por corrosão química ou por calor (massarico), e ainda as próprias tintas, deformadas pelo processo químico chamado craquelamento.

Pois bem, a dificuldade mais comum é o surgimento de bolhas, e decorre da exalação de gases das colas à base de água (nitrogênio e oxigênio principalmente). A solução mais simples para evitar o dano é usar cola de contato (de sapateiro e marceneiro), e aplicar as faces com espátulas flexíveis, plásticas ou acrílicas, por modo de ir expulsando o ar de entre uma e outra face.

Há uma discriminação negativa em relação a massa corrida de parede. Mas nem sempre se justifica. O rachamento não aparecerá facilmente em camadas finas. Misturar previamente uma medida pouca de glicerina (em vez de água) na massa corrida terá duas consequências antagônicas para o artista apressado: acrescentará maleabilidade, porém retardará a secagem da massa de texturização. As massas plásticas e vinílicas, ou tintas semelhantes, apresentam resultados semelhantes com vantagem na plásticidade de aplicação, mas grandes volumes podem sair caro.

Os resíduos como areia de rio, serragem de madeira ou limalha metálica (purpurina) também podem dar texturas finas e homogêneas interessantes, depois de misturadas com cola. Outra dica insuspeita: quando cortamos tecidos que desfiam, produzimos fios embaraçados que descartamos com raiva. Porém, se acumulados, ou conseguidos em locais de costura industrial, podem resultar, mesmo ambaraçados, em uma textura delicada e feminina. O popular saco de batatas (sisal ou juta) dará rusticidade ao trabalho artístico e pode ser comprado a metro. Em lojas especializadas de tecidos podemos descobrir uma variedade inebriante de possibilidades, já padronizadas pelo fabricante, bastando colar tecido, renda ou o que for, sobre um tecido de fundo, normalmente muito barato.

Artistas do tipo artesanais, esmerados, corajosos e pacientes, procuram nas matas folhas bem finas que põem para secar, e depois as colam sobre a tela, quase uma a uma, fazendo assim a textura apelidada de chão da mata, cama de onça ou simplesmente textura de folhas.

Enfim... A arte é também, num conceito adjacente, um estado de espírito, irrequieto, despojado, livre, e desafeto de formas preconcebidas rigorosas, engessadoras. E o artista, muito especialmente aquele que pretenda primar pela criatividade, precisa visceralmente da rebeldia das formas e estruturações artísticas preconcebidas. O quanto ele arrastará isso para outros territórios da vida, e pagará o preço dessa opção, só poderá ser uma opção autêntica dele próprio.

O fato aqui é que a mente humana, é condicionada a racionalizar através de referências. Digo humana para não me estender pela metafísica e pela teosofia, por exiguidade de espaço neste artigo. E isso significa ser extremamente difícil conceber algo absolutamente novo, o que se caracteriza justo pela ausência de referência antecedente durante o processo criativo.

Contudo, a experiência e o bom senso ensinam: a se pagar caro demais, é preferível ser menos pretensioso na criatividade, e esperar mais confortavelmente que a prática ofereça oportunidades inesperadas. Entre os extremos de não criatividade e o de novidade absoluta, muitos resultados intermediários são possíveis e bastante prazeirosos. O espírito da arte não pode ser encoleirado ou retido em uma lâmpada de Aladim, mas por vezes tentamos fazer algo assim, quando elegemos objetivos muito radicais e excludentes.

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Começando Abstratos II

Há dois princípios básicos no desenvolvimento de pintura abstrata, que podem se confundir ou mesclar de modo que se tornem pouco distinguíveis no final da execução. O que os diferencia, no início da execução, é o grau de racionalidade ou concepção prévia, o uso da intuição e do efeito aleatório, e a noção de continuidade em relação ao desenvolvimento do estudo.

No primeiro caso, o artista aplica algum material sobre o veículo, geralmente na área central, para criar uma expressão inicial interessante e capaz de "protagonizar" solitariamente o conjunto da obra. E se dedicará a isso porque todo o foco interpretativo ficará concentrado nessa área. Nos próximos passos ele desenvolverá abstratamente o contexto ou ambiente subjetivo, que agregará sentido ao protagonista, acrescentando ou não áreas coadjuvantes de interesse. O trabalho é feito de dentro para fora.

Como opção contrária, o pintor pode iniciar pela criação do ambiente, inclusive aleatoriamente, e só depois de satisfeito nessa etapa escolher racionalmente o protagonista. Neste caso, como já há uma definição de contexto pictórico, ele se sentirá seguro para duplicar, multiplicar, pulverizar, ou refletir protagonistas, criando uma outra relação, a de uns com outros, além da relação com o plano de fundo.

O abstracionismo formal permite ainda a predefinição não de um elemento, mas da ideia de que um conjunto deles pode fazer o papel de protagonista. Nessa vertente de conceito, elementos geométricos acomodados em grupo ou sobrepostos evoluiu para um conceito diferenciado que fez moda por certo tempo. Essas composições tinham a aparência genérica de urbanidade ou modernidade, foram chamadas de construtivismo e usadas também para sugerir equipamentos mecânicos e outros engenhos.

Veja que podem haver dois extremos no processo criativo, ambos desvantajosos, o de abandonar a intuição e o de abandonar a racionalidade. Melhores resultados virão na medida em que o artista for capaz de explorar melhor uma combinação profícua dos dois. Assim, não abortará prematuramente um trabalho promissor, nem tão pouco consumirá tempo e material à toa, não agregará ao mesmo trabalho ideias que poderiam ser melhor desenvolvidas à parte, e nem deixará que se percam ideias preciosas.

Um procedimento que dá muito bons resultados, embora seja normalmente desprezado, principalmente quando experimentamos algo inédito, é trabalhar com um estágio de teste. Ou seja, criamos o hábito de testar o efeito previamente, em um veículo acessório. Ainda que estejamos usando uma técnica cujo efeito não possa ser repetido, ao aplicá-la no definitivo teremos mais maturidade e controle.

Outra distinção importante é o tipo de veículo químico da tinta que utilizamos. O que temos no mercado ou é à base de água ou de óleo, e existem diversas propriedades químicas e mecânicas que os distinguem. Por exemplo, as partículas sólidas de pigmento e outros componentes podem ter tamanhos muito diferentes, mas com certeza elas apresentarão resultados de acomodação por gravidade e de miscividade em função do meio, menos denso da água e mais encorpado do óleo.

Há também uma preocupação geral com a alternativa de aplicar água e óleo em um mesmo trabalho. Naturalmente, as moléculas de um e de outro não se misturam facil e permanentemente. Contudo, há algo mais grave capaz de estragar um bom trabalho, que terá efeito retardado, só perceberemos tardiamente.

Ocorre que essas tintas aquosas e oleosas reagem distintamente, ao longo do tempo, às variações climáticas. Com o calor elas dilatam e com o frio se contraem. Ora, se sobrepostas, as moléculas de adesivo presentes nas tintas, e na área de contato entre ambas, não resistirão infinitamente aos esforços de dilatação e de contração sucessivos. A consequência será o que chamamos descolamento de camadas ou escamação.

Mas em geral a arte não gosta da ideia de que isso ou aquilo seja impossível ou proibido. É possível sim misturar tintas dos dois tipos, desde que dentro de certos limites técnicos. Isso estará na razão direta dos volumes aplicados, da secagem da primeira antes da segunda aplicação, e da preferência de aplicar tinta a óleo sobre tinta à base de água, porque o meio oleoso é mais plástico e resistente.

Mas sim... estamos falando de pinturas abstratas, portanto em princípio desobrigadas de aparências conhecidas. Daí que podemos usar veículos previamente tratados, para compor texturas sob a pintura que não se encontram prontas. Por exemplo amassando papel sêda, ou laminado, depois desamassado e colado no veículo. Nesse caso a ilusão de tridimensionalidade virá do veículo e não apenas da pintura.

Na mesma vertente, podemos usar muitos materiais alternativos até como pigmento artesanal. A borra de café que se jogaria no lixo pode produzir aguadas lindas, e até espatulada com adição de algum adesivo, tipo uma pequena parte de goma arábica. Várias sementes tropicais contém pigmentos de considerável permanência, como a do urucum. A grande concentração de moléculas de carbono existente nos carvões vegetais idem. O uso de serragem peneirada, além de vários tons terrosos ou amadeirados, pode oferecer efeitos surpreendentes, em razão da sua permeabilidade diferenciada. Enfim, o exercício do abstracionismo tem imensa vocação para laboratórios, em face da liberdade e do despojamento técnico que lhe é intrínseco. A ausência de referências faz parecer que tudo é inusitado, e a surpresa subjetiva é extremamente sedutora, antes para o próprio autor e depois para o admirador de arte. Há quem queira parar o sol, ou a lua, só para ficar especulando sobre como o artista conseguiu determinado efeito.

Consideremos agora a mecânica da aplicação, cujo efeito poderá ser diretamente relacionado à emotividade do autor no momento da execução. Nossas mãos e dedos são terminações nervosas que funcionam como fiéis da emoção. Fácil é imaginar que a flexibilidade das cerdas dos pincéis façam esse papel. Mas não apenas elas. Usamos espátulas, gravetos esfiapados, esponjas e lãs metálicas, que acumularão tinta sob a pressão de aplicação e produzirão efeitos específicos. Aplicamos o princípio da serigrafia se pintamos sobre um tipo de tela, efeito finalizado a seguir, pela retirada cuidadosa da tela. Ou pintamos sobre uma tela fechada, e depois emborcamos essa camada sobre a pintura.

Agora algo que pode ser surpreendente. Invertemos a construção do cromatismo quando usamos solventes químicos parcimoniosamente. Ou seja, em vez de acrescentarmos cor, empalidecemos certas áreas ou elementos, lavando com água abundante no momento de interromper o processo. Será como na técnica de pátina, raspando-se a superfície pintada por cima para revelar a cor de baixo.

Isso tudo que escrevi já é muito como ideia. Bom mesmo será quando você parar de ler, e partir para a experimentação. Não seja apressadinho. Uma coisa de cada vez. Você vai se surpreender com seus próprios resultados.


domingo, 22 de outubro de 2017

Começando Abstratos


Como disse anteriormente, o abstracionismo surgiu do ideal de excluir as formas conhecidas da linguagem artística, o que significa abrir mão das estruturas psicoemocionais que a elas associamos ao longo da vida, e que nos servem de referência no processo subjetivo de interpretação.

Apenas como distinção prévia, necessária desde o início ao entendimento de quem pretenda fazer uma escolha entre alternativas de pintura, lembre-se de que os abstratos podem ser formais ou informais. Ou seja, excluir as formas por completo pode ser desafiante por demais, além do que, não temos que fazer um pacto de lealdade com uma ou outra alternativa. Podemos começar um caminho e depois mudar para outro, desde que cheguemos a algo que nos recompense. Em arte sempre há caminhos.

Ora, o que acontece no exercício da pintura com a ausência de formas conhecidas? Não usamos formas, contudo a expressão de uma pintura não se restringe à forma. Na ausência dela outros atributos da pintura serão fortalecidos, ou até exacerbados, com o objetivo de tornar o trabalho interessante. São vários atributos, além do que o grau de importância também pode ser diversificado. Podemos eleger apenas um atributo para exacerbar a sua expressão específica. Mas também podemos escolher um grupo de atributos, sem a obrigatoriedade de equilibrar as suas importâncias.

O que pode parecer absurdo para o figurativista intransigente, a ausência ou indefinição de figuras, normalmente é o mais sedutor no abstracionismo: a surpresa subjetiva e o caráter desafiador que uma pintura pode oferecer à sensibilidade de quem se predisponha a perscrutá-la. A interpretação pode se tornar uma espécie de joguinho muito pessoal e seguro. Como não se espera uma interpretação unânime, o observador fica a vontade para "viajar" e para não se preocupar com um erro interpretativo, ou seja, o julgamento alheio não recai sobre o julgador.

Os atributos são características técnicas que o artista deve eleger prévia e lucidamente, por forma de estabelecer um caráter técnico para sua linguagem, agregar autenticidade ao seu trabalho e de desenvolver sua identidade artística. O surgimento do abstracionismo não apenas alforriou os desenhistas pouco convincentes, como também criou um limiar larguíssimo para as técnicas de efeito aleatório e de materiais alternativos, aplicados diferentemente das colagens.

Eis um ponto essencial no exercício dos abstratos: até onde manter um efeito aleatório? Ele não pode ser repetido e isso fragiliza a autoria. Como assinar lucidamente uma obra cuja expressão foi produzida pelo acaso? Que tipo de artista se envaideceria por isso?

Com grande frequência os efeitos aleatórios, bem como os de movimentos repetidos mecanicamente, revelam-se belíssimos, mas sobretudo surpreendentes. Tristemente surpreendente é, de outras vezes, perceber que não paramos no momento exato e perdemos o melhor efeito.
Os melhores resultados de abstratos exigem durante a criação uma autocrítica constante e panorâmica, uma harmonia confortável mas criteriosa entre o imaterial (subjetivo, interior) e o material (domínio da técnica, exterior).

Bem, hora de entender melhor o que chamei de atributos, que podem ser muitos mas podemos simplificar para quem inicia. O mais básico é a configuração da imagem, a visão do conjunto, dos limites dimensionais e da profundidade (planos de perspectiva). Em uma pintura figurativa haveria formas a serem definidas e posicionadas, num abstrato devemos identificar na configuração inicial, por projeção mental, áreas e planos de profundidade como que sobrepostos, e entender que eles não têm de estar contidos na área útil configurada.

Então partindo de uma luz (cor) homogênea, normalmente branca mas não necessariamente, o artista vai recompondo a configuração e criando uma expressão sem formas reconhecíveis, redefinindo áreas e deslocando planos para o fundo e para a frente.

Pode-se usar definições exatas (traços) sem construir formas conhecidas, mas pode-se também criar definições por distinção de texturas e/ou temperatura (cores frias e quentes), ou ainda usar algum material alternativo, como por exemplo papel laminado, borra de café, areia e conchinhas, enfim... uma incontável variedade de possibilidades, tudo tratado pela cor, que é o segundo atributo básico dessa nossa explanação.

O terceiro atributo é o volume do material. Comparados a uma superfície lisa do veículo (tela, placa...) quase todos os materiais terão volume distinto, e não apenas a tinta espatulada. E isso geralmente resulta em uma configuração de volumes, que tem tudo a ver com a ilusão de tridimensionalidade da expressão. Volumes maiores e mais "agressivos" parecerão mais próximos e áreas finas parecerão afastadas na perspectiva imaginária de fundo.

Há ainda a possibilidade do volume cromático, que se distingue da "massa" de material. É o "peso subjetivo", ou simbólico, de determinadas cores normalmente muito quentes (vermelhões e amarelões), que podem dominar a expressão pictórica, atrair a subjetividade como se por gravidade. Contudo, numa pintura monocromática dessas cores "pesadas", o efeito talvez não ocorra. Ele exige o contraste forte da vibração das cores.

Do volume vamos para outro atributo, o equilíbrio (ou não) decorrente da distribuição de massas e pesos cromáticos. Os observadores de abstratos são menos exigentes nesse ponto do que os de figurativismo. Porém este texto prioriza como alvo artistas e futuros artistas, cuja compreensão não deve desprezar o equilíbrio. Assm, se um pintor quiser desequilibrar sua pintura, que o faça lucidamente, como parte da sua linguagem, e não faça parecer ausência ou vício de domínio técnico.

O quinto e último atributo básico desta explanação leva o foco para o abstracionismo formal. A crueza interpretativa da ausência de forma encontrou alívio no primarismo dos abtratos. As formas primárias geométricas foram bem aceitas e por fim desaguaram no geometrismo abstrato. Elas têm uma linguagem subjetiva insuspeitamente poderosa, como se nossa intelectualidade não pudesse inibir a permeabilidade da alma ao geometrismo. Tipo uma linguagem universal, que nos colocasse de volta numa caverna, cercados pelas sombras projetadas por nossas consciências a partir do crepitar tagarela de uma fogueira. O geometrismo abstrato nos reduz à nossa essência humana de postulantes ao intelecto. Nem mesmo cientistas frios e calculistas resistem a essa sedução, quando formulam o entendimento do universo.

O abstracionismo só tem um método aceito por unanimidade. Abstracionismo não se aprende, mas se desenvolve. Algumas técnicas podem encurtar o caminho, mas nem tanto. É pegar algum fundo e aplicar materiais para provocar efeitos, com maior ou menor grau de domínio, isso não importa a princípio. E nos faz lembrar da ideologia dos peregrinos, como os do Caminho de São Thiago de Compostela, e que tantas vezes devemos trazer para o cotidiano da vida... O que importa é amar mais o caminho, e nem tanto o destino pretendido.

sábado, 7 de outubro de 2017

Os Poderes da Arte

Durante os anos em que recebi pessoas interessadas em conhecer meus conceitos e técnicas, incontáveis vezes sustentei que o exercício da arte leva muitas pessoas a se exercerem mais profundamente, e não apenas numa técnica, que aliás não é inata, diferentemente da nossa sensibilidade.

Fazer arte produz muito mais do que obras artísticas. Mas naquela época, muitas pessoas achavam, e por vezes o afirmavam, que minha insistência nessa ideia estaria contaminada, de vez que o pagamento deles me ajudava a comprar ao menos o bifinho de acém de cada dia.

Pois bem, ajudava mesmo, mas essa convicção não era uma estratégia minha de vendas. Os anos passaram, há muito não dou mais aulas regulares, mas minha ideia ao longo do tempo, além de não se apagar, ficou ainda mais clara e respaldada por mais exemplos, colhidos no simples cotidiano.

A arte leva a exercer a alma e a sua sensibilidade intrínseca, mas há outros potenciais igualmente intrínsecos na nossa alma, relacionados a incontáveis conveniências e necessidades da vida de cada um. Se a gente abrir as comportas de uma represa, o fluxo seguinte do rio aumentará para todas as pedras que lutam para não serem arrastadas, e não apenas para uma ou outra delas.

Por exemplo, no fim da vida e com disponibilidades de aposentados, muitas pessoas sentem necessidade de lutar contra a sensação de ser inútil, de produzir alguma coisa. A arte propicia esse preenchimento e, de quebra, engrossa de motivos a relação com as demais pessoas, porque todos descobrem coisas antes insuspeitas.

Para alguns o silêncio íntimo é um paraíso, com anjos dando bom dia e boa noite em baixo de cada árvore, à medida que nosso pensamento segue caminhando. Entaum não precisamos chegar a nenhum lugar.

Mas no outro extremo de possibilidades o silêncio pode ser um deserto, habitado por demônios que a todo momento surgem das areias, e sussurram besteiras com a voz do vento. Essas pessoas precisam desesperadamente chegar a algum lugar, no mínimo ter um rumo, uma perspectiva boa, e ouvir outras pessoas.

Mudando o foco para o início da vida, crianças e adolescentes têm verdadeira compulsão por algo que dê vazão à sua necessidade de realização, o que leva à compulsão de experimentar e absorver coisas novas, para preencher seus vazios ociosos. Não tendo a arte como meio, eles se apegarão a qualquer outro meio de conseguí-lo, talvez escolhendo muito mal. E pior, escondendo isso.

Uma criança com alguma patologia que iniba sua expressão, tornando o seu psiquismo pouco acessível ao tratamento, pelo exercício artístico criará canais de extravasão e absorção antes inexistentes. E não se pense que uma criança normal teria menos proveito.

Mesmo depois de passar pela juventude, quando já temos responsabilidades e somos diariamente avaliados pelo nosso chefe, por vezes sob a pressão do rigor técnico ou da concorrência profissional, precisamos de coisas que o exercício da arte pode oferecer, como por exemplo a metodicidade, a habilidade manual, as capacidades de projeção espacial e da organização lógica.

A maioria das pessoas vê um problema como fotos de delegacia policial, sob o título "Procura-se". Ou seja, de frente e sob um único perfil. Pois bem, o exercício da arte induz ao hábito de ver por muitos ângulos, de eliminar possibilidades criteriosamente, de traçar metodologias para a consecução de um objetivo mais amadurecido, de hierarquizar e organizar procedimentos, de tirar partido das opiniões críticas adversas e de ter mais domínio da expressão, enfim, a arte impõe ao artista lúcido mais do que compreender o que vê, mas o como (e porque) é visto pelas outras pessoas.

No mesmo caminho, um profissional com uma solução complexa apenas na sua cabeça e diante de diretores exigentes, talvez incrédulos, irá a um quadro de exposição e rapidamente rabiscará um diagrama acessível, com bom aproveitamento do espaço disponível.

Quem exerce arte plástica cria e desenvolve sempre do início para o fim, dos limites da área útil para os elementos mais importantes da configuração, da iluminação ambiente para os efeitos especiais, e dos planos de fundo para os da frente. Isso educa a mente a ver a criação artística como processo organizado, e transferir esse foco para as demais coisas da vida será algo natural.

Pessoalmente, enquanto orientador, sempre acrescentei um conceito meu aos que propus acima. Um artista funciona como um canal subconsciente interativo, dentro dos limites da sua intuição, do seu interior nada silencioso. Entretanto, não deve entregar as rédeas nas mãos da intuição, sem a vigília da sua racionalidade. E por quê?

Nada tenho contra a intuição, muito pelo contrário. Ela costuma ser o único acesso para o universo que escapa à racionalidade e, quase sempre, o acesso que é palmilhado pela criatividade. Contudo, o artista deve construir sua identidade, seu papel no mundo e sua responsabilidade autoral segundo escolhas suas lúcidas. E isso exige a autocrítica isenta e a racionalidade no comando. Assinar uma obra pode e deve significar mais que intuição, e até mais que dom artístico.

Todas essas potencialidades da arte podem ser aproveitadas em muitos campos de atuação da vida. Mas deixei para o final o que julgo ser o maior dos poderes, aquele que estabelece a relação do artista com o universo humano exterior. O poder de despertar a subjetividade de outros é o que justifica a existência do artista no mundo.

Muitas vezes as pessoas cristãs se mostraram simpáticas, a um comentário meu entendido como graça ou folga, mas que reflete minha convicção cristalina: "O artista é o mais cristão dos rebeldes, pois veio ao mundo para ser julgado e não para julgar".

A razão disso é desconhecida de artistas que ainda estão a meio caminho da sua lucidez. A luz da arte não se consuma no interior do artista. É como um circuito, que só se fecha na escuridão subjetiva do observador. Enquanto a luz do artista estiver refém dele próprio, ela será inútil para o mundo, e o seu poder será como um circuito incapaz de produzir saudáveis choques na consciência.

(Lou Poulit, 2.017 - Direitos Reservados)

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Fazer Arte Plástica Começa Pela Compreensão da Luz


Tudo se resume em micropartículas de energia eletromagnética emitida ou refletida, em frequência que nosso sistema ótico seja capaz de capturar através de células sensitivas. E recebendo os impulsos correspondentes dessa captura, nosso célebro cria a percepção de cor que conhecemos, em função de cada frequência vibracional, estando a intensidade do brilho (cromatismo) associada à quantidade ou densidade dessas partículas na radiação. A ciência as chama de fótons, teorizados em 1.905 por Albert Einstein (Efeito Fotoelétrico). Para um artista plástico lúcido, as palavras luz e cor representam a mesma ideia.

Quando as radiações interagem com as partículas dos corpos físicos, a frequência dos fótons e a sua densidade na reflexão (partículas não absorvidas) são alteradas, e isso define a cor de cada corpo ou matéria. E não é só. O mesmo processo de reflexão também define não a forma do corpo físico, da sua massa molecular, mas sim a percepção visual que temos. Se percebemos a forma de alguma coisa, isso ocorre porque a sua reflexão se distingue das demais reflexões do ambiente.

Para artistas plásticos lúcidos, os traços só existem no seu trabalho (veículo físico). Eles definem formas porque representam graficamente as distinções de luz do corpo representado e do restante do ambiente (luz de fundo). Portanto, a rigor, pela visão não percebemos nenhum corpo físico, mas tão somente a sua luz. Um escultor percebe a massa do seu trabalho, mas isso pela sensorialidade que chamamos tato, através de células sensitivas espalhadas na sua pele.

Dito isto, eis em que consiste a técnica artística plástica: transformar ou deformar (plasticidade) um meio físico, e/ou outros materiais a ele agregados pela própria execução da técnica, como faz nos desenhos e pinturas, nas moldagens, nas colagens ou quando esculpi algum material.

Dessa maneira, um pintor cria ou recria uma configuração de luz, a partir da luz homogênea e original de um veículo. Partindo de uma tela branca e vazia de formas, por exemplo, ou seja de 100% de reflexão de luz branca, na verdade ele estará trabalhando no sentido de "menos luz", criando impressões subjetivamente importantes pela inibição gradual e localizada da reflexão original do veículo. Figurativistas fazem isso definindo formas compreensíveis, abstracionistas puros abrem mão de qualquer forma reconhecível em sua expressão, e abstracionistas formais mostram-se mais "amigáveis" na medida em que se permitem algumas formas, normalmente primárias ou geométricas.

Na mesma direção mas com técnica diferenciada, um escultor constrói o seu trabalho tendo em vista uma relação pouco conhecida pelo observador leigo: a interação interpretativa entre volumes (massa) e espaços dentro da obra. Também existirá uma relação intrínseca entre a obra e o espaço ambiente, porém essa relação estará fora dos limites de controle do escultor.

Deixei de contemplar o caso do desenhista de propósito, com o objetivo de reforçar a importância da compreensão da luz, e para isso vou fechar o foco nos casos de desenho monocrômico, a expressão mais conhecida e até mesmo mais adimirada dessa linguagem. Ela é absolutamente radical e primária, gutural inclusive. Foi a primeira expressão que se considere evolutivamente humana. Contudo, o seu poder de expressão baseado no conflito entre luz e não luz, é capaz de seduzir mesmo as sensibilidades mais intelectualizadas, na ponta do processo evolutivo.

O desenho, por mais simples que seja ou exatamente por isso, destrói as cascas subjetivas que criamos ao longo de milênios, faz com que tornemos às nossas protegidas e protetoras cavernas, no fundo da alma, pelo poder imenso de um primitivismo que parece arraigado em nas entranhas.

Isso é profundo e mágico. Se a mente do bicho-homem era abstrata, por força da sua ignorância, nossa evolução quebrou este estado pelo uso de grafias formais necessárias à representação e à transmissão de ideias, associada às ideias de perenidade, de integralidade dos conceitos, e do poder tribal que os detinha e os explorava, quase sempre também sacerdotal.

Pois bem. Não existia luz solar nas cavernas. Nos reuníamos em volta de uma fogueira sobre antigas cinzas para trocar ideias e conhecimento, cercados e invadidos por nossas próprias sombras. Acreditávamos que a luz pertencia ao mundo exterior, assim como o abstracionismo que ameaçava nossa sobrevivência mais que as feras da natureza. Então começamos a  nos valer das formas, até para nos proteger.

É portanto verdadeiramente irônico e perturbador que nossa evolução tenha dependido tanto da derrubada sucessiva de formas estabelecidas. O movimento impressionista rompeu com o conceito estético da representação realistica das formas.

O surrealismo partiu do caráter onírico e inusitado de coisas que não faziam parte da realidade cotidiana. O advento da fotografia logrou a captura da luz, mas abriu caminho para a evolução das imagens que temos atualmente.

E hoje, por incrível que pareça, nossa ciência se aproxima de uma espécie de encruzilhada. Boa parte de nossas melhores cabeças pensantes tem consciência de que não poderá avançar muito mais, se não assumir conceitos abstratos. Na verdade até já faz isso parcimoniosamente, para sustentar o consenso sobre outros, estes formais. A forma é matéria. E a ciência estima que apenas míseros 4% da energia de todo o universo têm estado de matéria!

Podemos então presumir que o imenso poder científico do nosso tempo terá de se curvar, se quiser prosseguir, sem criar realidades iluminadas mas fictícias. Terá de desenvolver uma concepção intermediária, nem formal nem abstrata, como instrumento. Isso parece à primeira vista um enorme desafio, uma barreira inespugnável passar do formal para o abstrato com um único passo. A ciência precisará de desenhos!

Mas isso não deverá assustar os artistas plásticos lúcidos, especialmente os desenhistas, porque eles tratam a luz por você. A luz é expressão natural da energia, que preenche o universo como um oceano.

Claro que boa parte da energia universal tem o estado de onda e não de partícula. Mas isso talvez não seja um problema. O seu estado pode ser alterado em alguma medida por alguma interação.

Penso até que talvez um dia a maior parte dessa energia esteja sentada no colo dos desenhistas. Sou desenhista, figurativista nato. E não me preocupo tanto, não vejo grandes riscos, salvo para a macheza dos desenhistas. Estou ficando velho de todo jeito.

(Lou Poulit 2017 - Direitos Reservados)

sábado, 19 de dezembro de 2015




ARTE COM MATERIAIS ALTERNATIVOS


Quando um artista plástico resolve ter a coragem de usar materiais alternativos na suas pinturas e esculturas, talvez não imagine que está fazendo muito mais do que simplesmente romper com a tradicionalidade dos materiais. E antes de qualquer explanação, considere-se que estará se exilando da arte clássica. Seus trabalhos não serão mais diretamente comparáveis, e no máximo apontarão essa ou aquela aparente influência. No entanto, de um primeiro passo com materiais alternativos até a chamada arte conceitual, com certeza haverá uma enorme distância. Mas para que isso fique mais claro, podemos todos entender do mesmo jeito.

Esse movimento artistico, que expandiu-se mais vigorosamente entre as décadas dem 70 e 80 do século passado, a partir da Europa e dos Estados Unidos, e que encontrou representantes também no Brasil (Lygia Clark e Hélio Oiticica entre outros), foi chamado "conceitual" para que a designação tivesse a carga de significado pretendida, de romper com o formalismo, movimento europeu antecedente. Mas claro, não significa que não houvesse conceito em outros movimentos. As principais características do desenvolvimento da arte dita conceitual foram: rompimento genérico com o formalismo artístico, desenvolvimento da arte ambiental e em áreas públicas (grafite), agregação de várias linguagens simultâneas (vídeos, instalações artísticas, fotografias, etc.), retorno ao figurativismo como valorização do conceito e, sobretudo, a valorização excludente, absoluta, da subjetividade e da ideia da obra conceitual, acima de qualquer outro fundamento artístico, que assim têm degradada sua importância, subestimada pela pretendida percepção do todo conceitual.

Bem menos pretensiosamente em termos de arte acadêmica, você artista poderá se sentir diante de um imenso limiar, e sem limites, ainda que se limite aos materiais alternativos. Eles têm, e agregam ao produto artístico, uma enorme gama de propriedades que lhes são intrínsecas e que vão muito além da relação entre as tintas, a química e a mecânica de aplicação, e os veículos físicos nos quais se executa a técnica artística (pedra, madeira, tela, luz, som, etc.), também potencialmente muito variados. É portanto possível a qualquer artista de bom senso, enveredar pelos materiais alternativos, rompendo com a tradicionalidade no entanto sem necessariamente inventar arte. Colocamos aqui "bom senso" com notação de razoabilidade, para lembrar que não é avaliável um trabalho que não seja compreendido, e que, antes de qualquer outro, o autor deve compreendê-lo.

Os materiais alternativos têm um tipo de sedução, principalmente para o autor, capaz de surpreender mesmo o observador cético. E não apenas pelo caráter de inusitado. Trata-se das possibilidades de utilização de sobras e descartes, aparelhos velhos, substitutivos da madeira, recipientes e até mesmo materiais de difícil identificação da origem, encontrados no lixo. E considere-se aqui que isso talvez não tenha a ver com a conveniência de custo baixo, mas com determinada carga de subjetividade que o material agregue à obra. Assim, por exemplo, caso alguém faça uma pintura sobre tela, em que se perceba a colagem de chips de celular, terá que ser um artista ainda melhor para evitar, se o desejar, que o observador faça a associação inevitável com os objetivos dos chips. Vejam, em vez de chips, ele poderia usar preservativos para doenças sexualmente transmissíveis vencidos, ou cédulas de votação eleitoral com opção de voto, ou simples grãos de cereais, enfim...

É de se imaginar que para aqueles que nunca utilizaram materiais incomuns seja difícil fazer as primeiras escolhas. Para estes, admitindo que já conheçam algum roteiro básico de trabalho de concepção, sugerimos escolher antes entre duas características: uma é a de aplicar o material alternativo na definição do trabalho, e a outra, fazer essa aplicação no veículo, para depois executar a definição ou acabamento sobrepondo, em parte ou no todo, os materiais convencionais. A diferença mais provável será que, na segunda hipótese, uma ou mais propriedades peculiares ao material alternativo talvez sejam cobertas pelo acabamento, e isso pode ser um sacrifício. Repetindo a notação de razoabilidade antes mencionada, não se exclui uma combinação interessante das duas possibilidades. Por exemplo, usando-se algum material alternativo para compor uma textura sobre o veículo, com areia, ou folhas naturais (vegetais), fibras embaraçadas, papel laminado, serragem, etc. E sobre essa textura, aplicar fotografias, textos, conchinhas, ou uma pintura convencional com pincel ou espátula, enfim... São muitas as alternativas.

Quer mais ideias? Podemos ser "alternativos" também nos equipamentos ou instrumentos. Por exemplo, podemos preparar para uso, lixas para raspar, pentes e facas serrilhadas para fazer estrias, esponjas, escovas e tal. Então fazemos primeiro várias baterias de testes para começar a descobrir as possibilidades de efeito de cada material, e depois das combinações entre eles. Depois desta experimentações teremos algum domínio do que pretendemos. Lembre-se de que, na pintura, na escultura, assim como no simples desenho, a técnica pode incluir a sua negação. Ou seja, no desenho apagamos traços e esfuminhos, mas podemos fazer algo assim também nas tintas, raspando ou aplicando químicas, e 0bviamente nas esculturas, especialmente nas dos tipos moldagem e instalação (móbiles).

Para finalizar queremos salientar algo importante. Para o observador do trabalho já pronto, o aspecto final seja talvez sempre a única percepção, o único prazer, e o único aprendizado. Mas para o autor o processo todo é avaliável e reavaliável, e só ele poderá conhecer a evolução da obra. Isso significa que, em se fazendo arte, cabe um conceito mais importante do que o conceito de arte conceitual: o artista deve amar o caminho de cada obra, pelo menos tanto quanto o seu resultado final. As artes plásticas alternativas podem ser um aprendizado, um laboratório de técnicas, fundamental na construção da identidade do artista e do seu arcabouço técnico, composto de muitos desafios e diversas conquistas, ainda que aconteçam muitos fracassos. Devemos ver o artista pela ótica do seu caminho, desde quando começou, e não por resultados isolados. Porque só assim poderemos entender o amor que foi seu combustível.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015



ADORO O PHOTOSHOP


Adoro meu Photoshop. Mentira, adoro todos os Photoshop. Acredite, às vezes eu uso o editor online! De manhã cedo, logo que me levanto da cama, não tomo meu café com tanto prazer se eu não tiver a meleca do Photoshop e algo para colar nele (?!*#$@)... Droga de Photoshop... Mas eu adoro. E acho que se você não adora também, talvez você tenha uma psicopatia: não gostar de Photoshop!... Ou talvez não enxergue...

Ora, ninguém vai me condenar por isso. Todo mundo gosta, até os que não o conhecem, mas se ligam nas imagens produzidas por ele, e que estão em toda parte, na televisão, e na memória subconsciente de todos nós! "Oh My God...", haja espaço para tudo que o Photoshop faz!... O Photoshop só tem um probleminha, que a imensa maioria dos usuários nem percebe, por sofreguidão: é ele "quem" faz tudo. Óóóóóó... Mixou a brincadeira...

Não mixou o Photoshop. Embora tenha um imenso arsenal de recursos, ele faz apenas uma coisa: o que ele foi feito para fazer. E faz rápido e muito bem feito, como ninguém faria nem gastando o período todo e mais outro período engatado. Portanto ninguém deve dizer que ele faz algum mal. Não faz. Entretanto, às vezes não percebemos bem quando devemos usá-lo, e quando também pode ser muito bom fazer sem ele! E para os viciados há uma alternativa, nem tudo está perdido. Talvez seja possível uma combinação menos radical, politicamente correta (se é que isso realmente existe), um inimputável "ménage à trois", ou seja, em parte usamos técnicas manuais e em parte clicamos no ícone do Photoshop!... Sem maledicências, por favor.

Meu consolo (detesto isso), é que não sou um artista plástico de primeira viagem. Quando comecei não havia computadores disponíveis, nem "personal computers", e muito menos Photoshop. Mesmo quando chegaram as primeiras máquinas, grande novidade no mercado para empresas, aquelas máquinas haviam sido desenvolvidas basicamente para texto. Difícil trabalhar imagens com aquilo (diagramação e transmissão), não havia ainda a tecnologia que produziu diversos formatos de dados de imagem, com propriedades diferentes. Não havia pixels transparentes!

Fomos então obrigados a saber fazer, dispor e sobrepor, não existia quem fizesse seguindo roteiros de código de programação, com as suas infindáveis e hierarquizadas sequências de conjunções condicionais. Se isso é verdadeiro fazemos assim, senão fazemos assado. Façamos assim enquanto "isso" for verdadeiro, depois retorne alguma coisa (escapar do looping), ou... É assim que tudo funciona na "cabeça" dos computadores. Para desespero de aficcionados ingênuos, o computador não vê sequer o que o navegador põe na tela, e que é tudo o que nós podemos ver. Isso mesmo... O computador é leso das vistas, incapaz de ver uma única coisa além de bits "sim" e "não", compondo bites.

Sou feliz. Adoro o Photoshop para todas as coisas fantásticas que ele pode fazer e que EU NÃO POSSO (ou não me convém)... Sou feliz porque sou eu quem decide (e não ele), porque não estou sozinho no mundo nem caí do caminhão, porque sei que existem muitas pessoas, artistas plásticas ou não, que valorizam a relação de domínio da técnica artística, entre os planos da alma e do veículo material em que o produto artístico é consumado, e assim possa estar disponível à sensorialidade humana.

Sou feliz porque tentei ensinar aos meus alunos, que não se pode ser um artista pretensioso da sua arte, enquanto não se compreender bem o que se faz. Psiquicamente, emocionalmente, motoramente, química e mecanicamente. Eletronicamente?... Sim, por que não? Desde que se saiba o que está fazendo, ou melhor, fazendo o que se quer fazer, em vez de uma coisa qualquer de autoria do acaso. O acaso não pode assinar, nem construir uma identidade artística humana, embora até possa ser comercial, consumista, capitalista...

Enfim, adoro o Photoshop... Mas nem que a porca torça o rabo abro mão do meu ateliê, entulhado de coisas que foram e são importantes coadjuvantes, injustiçados quando aplaudem um trabalho meu. Não renego a sujeira colorida dos meus antigos laboratórios de técnica artística. Lamento quando não encontro mais um determinado croqui, que tenha na memória. E não jogo no lixo um reles pedacinho de carvão, se ainda puder esfuminhar com o seu pigmento de carbono a microtextura de um papel.

Todavia não imaginem que eu diga tudo isso apenas pela minha arte. Ninguém deve se espantar, mas sou convicto de que o editor da Adobe é apenas um retalho de uma insuspeita colcha, que acoberta uma verdade dura demais para ser aceita. Vivemos um processo de transformação da espécie neste planeta, em etapa terminal, que deverá rachar a humanidade, ou o que sobrar dela, caso conflitos extremos e cataclismos deixem algo para se dividir. Não é exagero, e não seria a primeira vez. A verdade sob os retalhos da colcha deve ser também composta de uma diversidade.

Em síntese, penso assim... Na dinâmica das nossas ambições mesquinhas, potencializadas por fatores como a explosão demográfica (consumo) e os valores egoístas que sustentam o capitalismo (materialismo, superficialidade, riqueza e poder), assolamos muito mais do que o espírito da arte. Produzimos degradação do espírito da nossa espécie, de outras espécies e das condições ambientais essenciais à vida, oferecidas natural e gratuitamente pela natureza do planeta.

Sobrepusemos o nosso pretenso poder criativo (tecnologia, à imagem e semelhança do Criador) aos sistemas naturais. A humanidade está doentia, porque sua relação com a natureza foi seccionada, os princípios físicos e metafísicos que ordenam o equilíbrio foram afetados, a capacidade de recuperação da natureza foi sobrecarregada, e os nossos dejetos, que se acumulam até mesmo na órbita do planeta, terão de ser limpos por fenômenos de grande magnitude. Arrancar apenas o joio, poupando o trigo, está cada vez mais difícil.

Não abomino a utilidade da nossa tecnologia. Até adoro Photoshop. Mas o uso de tudo deve ser racional e sensato, em favor de tudo. O homem é uma espécie racional, tida como a única por aqui. O domínio deve ser do homem como um todo, mas o homem foi escravizado para enriquecer os que investem no desenvolvimento da tecnologia, produzem-na e a comercializam. Não é seguro, muito obviamente, o postulado segundo o qual isso se reverte em benefício para todos. E uma enormidade de outros falsos conceitos se prestam de decorativos retalhos. O homem foi quem deixou de fazer, o que foi feito para fazer.

Por isso faço tanta questão de ser um artista artesanal e, tanto quanto consigo, sinto um friozinho mas dispenso a colcha... Sim, claro, eu também sou escravo da tecnologia. Contudo não deixo de tomar o meu café toda manhã, coado no pano e não no Photoshop!... Mas que eu adoro o Photoshop, ah... Isso eu adoro.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015



MAGOS E PINTORES


Na idade média, também dita idade do chumbo numa metáfora associada à ignorância das pessoas, ninguém do povo sse arriscaria a destratar um pintor em público. Eles eram respeitadíssimos, assim como os ferreiros, oleiros e outros transformadores, que guardavam a sete chaves seus segredos. Mas a razão verdadeira é que assim agiam por um medo, baseado no pavor do inferno incitado pelas igrejas cristãs. No caso do pintor parece absurdamente estranho e injusto. Mas é simples de se entender.

Os pintores não eram magos. Contudo, para os leigos algumas características apontavam nessa direção, por comparação com outras situações semelhantes. Primeira, eles viviam em lugares lúgubres, sombrios, secos e frios, porque assim era mais seguro para os seus segredos técnicos, porque temperatura e umidade altas favorecem a deteriorização de matérias orgânicas, e porque não haviam lojas como as de hoje para comprar tudo já prontinho para uso.

Segunda, havia a figura o aprendiz, comum na companhia de feiticeiros. Normalmente era um rapaz sob completa submissão, que fazia tudo ou quase sob penas severas por desobediência ou comportamento inadequado, especialmente por vazar informações técnicas, ou de natureza pessoal do seu mestre. Eles suportavam muitas adversidades por longos períodos, pelo seu ideal de um dia ser também considerado um mestre, e dispor da generosidade dos nobres burgueses e da nobresa propriamente dita.

Antes do sol se levantar, a pintura começava na cozinha. Tudo, e não apenas tintas, era preparado artesanalmente e não haviam conservantes químicos tão poderosos como os de hoje. A regra mais eficiente era o mais elementar possível: inibir o contato do ar. E daí a terceira e mais assustadora característica que os relacionava aos magos. Depois de preparadas as misturas de pigmentos, o pintor acondicionava cada porção em vesículas e outros órgãos vazios e ressecados, extraídos de animais tais como de coelhos, ovelhas, gatos e cachorros... Que diferença fazia o antigo dono, depois da bexiga bem amarradinha?

Apesar do possível asco, isso funcionava muito bem na hora do uso. O pintor fazia um pequeno furinho, apertava e extraía a quantidade densa que lhe aprouvesse. Depois bastava apertar o furinho como numa dobra. O material excedente secava fechando o orifício, o ar não entrava e, quando fosse novamente necessário usar a mesma mistura, ela continuava perfeita. A densidade retardava a acomodação de moléculas mais pesadas dentro da vesícula, e isso assegurava a homogeneidade do tom de cor.

Portanto, querido artista, se algum admirador leigo disser com exaltação que você é um mago, ainda que seu ego resista aceite-se como de fato é. Não é uma vergonha não ser um mestre, e muito menos ser um aprendiz, há muitas possibilidades entre os dois extremos. Você é um aprendiz, como todos somos, já mais adiantado do que o seu admirador! Você não precisará dormir num quarto separado dos aposentos do papa por uma passagem secreta, só para escapar da fogueira.

Ora, você não precisa ser um mestre à moda antiga. E ainda assim poderá fazer suas próprias experiências com pigmentos brutos. Vá numa loja e compre todo o resto do material. Mas pelo amor de Deus, não procure macumbas para conseguir vísceras! Não pela igreja ou pela fogueira, mas porque hoje as leis de proteção aos animais são rigorosas. Você não estará fazendo sofrer nenhum animal que, inclusive, já estaria morto, mas... Os artistas nunca foram bem compreendidos.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015



A ARTE, ESSA VADIA


Arte do futebol... arte da política!... Deveríamos dizer também "arte da simbiose", da exploração, da enganação, da degeneração... É só pegar pelo braço.

Ao espírito da arte resta a esperança no artista. No verdadeiro artista. Naquele que, mais do que admirá-la, quer compreendê-la. Mais que usufruir, quer servir. Onde se lê um conceito de arte? Não é muito comum encontrar isso nesse mundo consumista em que vivemos, conceitos são pouco comerciais. Mas podemos inserir aqui um bom conceito, para não deixar pendurado no vento alguém que ainda não tenha nenhum:

A arte é uma expressão, uma linguagem subjetiva que utiliza uma técnica artística para, aplicada ao meio físico, transmitir ideias e emoções. O seu produto é obra artística.

Sem essas naturezas psíquica e técnica, não temos arte. Podemos agregar arte a muitas coisas, mas isso não é fazer arte. Esse discernimento não deve faltar ao artista, ao menos para o bem dele próprio e da sua obra. No mínimo, considerando lucidamente a arte, mesmo sem academicismos e ainda que não tenha eleito objetivos para si próprio, ele poderá perceber quando e como estará sendo atraído para objetivos que não são da arte. Exagero?

Exagero nenhum. Historicamente a arte foi e é muitas vezes usada para objetivos muito diferentes, e tantas vezes até conflituosos com os seus. Usaram a arte para ajudar a fazer revoluções, guerras, golpes de estado. Atribuíram à arte até mesmo o papel equivocado de combater o radicalismo islâmico. Equivocado sim, da forma que foi feito, porque uma humanidade mais justa não pode prescindir do respeito a todos os direitos. E no caso famoso e trágico do periódico francês Charlie, essa degeneração era praticada para auferir lucro. Sem dúvida, um erro não justifica o outro. Mas nos dirigimos aqui a artistas, e não a terroristas ou funcionários públicos. Como sempre fazemos, propomos a reflexão.

Os artistas fazem a arte humana, pois que são humanos. Contudo ela está em toda a natureza e em todo o universo, no microcosmo e no macrocosmo. A natureza não é um privilégio deste planeta. A arte não é um espírito de pessoa, mas é espírito, e por algum tipo de expressão, nem só estética, propicia o princípio cósmico da comunicação, que por sua vez propicia outro, o da transformação. Nosso objetivo aqui não é exatamente propagar a magnitude da essência da arte, mas sim propor que se reflita sobre a verdadeira dimensão de fazer arte, e sobretudo sobre não prostituí-la.

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

SUA CASA, SEU CONCEITO!

Guarde Esse Curinga
Na Sua Manga!

Você pode estar a um passo de realizar o seu projeto. Se já tem uma boa ideia, faça contato.


Série ANJOS PEREGRINOS
O conceito desta série remonta à mitologia mais antiga, que relata a aventura de seres angélicos ditos "caídos". Muitas versões, em quase todos os povos, falam de anjos que de tal modo se envolveram em humanidades que perderam a integridade da sua condição, ou o caminho de volta. Os Anjos desta série guardam características comuns a outras, porém mostram-se protetores e penitentes. Em relação à aparência adotada pela maioria das religiões, onde os anjos são figuras constantes, a auréola foi substituída pelo efeito de luz e profundidade, a sexualidade mantida com caráter secundário, e as asas tornadas muito importantes na anatomia.